Crítica O Mágico de Auschwitz e O Manuscrito de Birkenau Rabino Shlomo Pereira joserodriguessantos Março 16, 2023

Crítica O Mágico de Auschwitz e O Manuscrito de Birkenau Rabino Shlomo Pereira

Rabino Shlomo Pereira, diretor de Educação no Chabad, EUA, e professor de história, filosofia e direito canónico

Chabad, EUA

“A minha primeira preocupação quando me deram estes romances para ler foi esta: o que me diriam sobre o Holocausto que eu não soubesse? Nada, certamente. Quão errado estava! Estes livros trazem uma abordagem muito diferente e pouco ortodoxa. Em vez de se concentrarem nas vozes dos sobreviventes do Holocausto, que é o que todos fazem normalmente, concentram-se nas vozes dos assassinados. Como é que o autor faz isso?

O espantoso é que ele não teve de inventar material para o transmitir. Utilizou como fontes de informação os manuscritos autênticos dos sobreviventes que testemunharam assassinatos nas câmaras de gás e crematórios. Quem foram estas testemunhas? Os judeus selecionados pelos nazis para os ajudar no processo logístico dos gaseamentos. Esta é uma perspetiva totalmente nova sobre o Holocausto. O autor deu voz àqueles que a tinham perdido. Este é um esforço mais difícil, e único.

 

Simultaneamente, trata de um lado muito desconfortável do Holocausto para um judeu como eu, que é o facto de haver judeus que colaboraram com os nazis nos procedimentos de extermínio. Por isso, sentimo-nos em conflito em relação a estas pessoas: foram vítimas ou criminosos? Este é um assunto largamente ignorado na literatura sobre o Holocausto. Portanto, estes livros têm esta nova perspetiva de nos mostrar o que aconteceu do ponto de vista dos assassinados. Esta é uma contribuição surpreendente e importante para a compreensão do Holocausto.

Há também um ritmo de escrita que é absolutamente espantoso. Inicialmente perguntei-me: como se pode lidar com este assunto? Encontrei a genialidade no desenrolar muito gradual da história. Desde o início, tudo está bem, flores e poesia, mas à medida que avançamos, continuamos a descer até que, no final, nos encontramos na escuridão absoluta. A forma como a história evolui é fascinante. Senti que estava a ser lentamente arrastado para o fundo de um poço. Esta foi uma forma muito eficiente de lidar com este tema. E esta evolução para o abismo envolve não só sofrimento e humilhação, mas também amor, energia e esperança. Mostra o melhor e o pior dos seres humanos.

Também fiquei muito impressionado com o estilo de escrita. Nunca antes tinha lido livros de José Rodrigues dos Santos. Fiquei completamente seduzido pela forma como ele escreveu estes romances. Quando o lemos, apreciamos cada palavra. Quase senti que estava a ler um guião de um filme. As cores, os detalhes das diferentes línguas e até mesmo os sotaques, o impacto visual transmitido pelo texto, tudo isto me deixou maravilhado. Foi como se me fosse dado um prato de alta cozinha cheio de paladares requintados, um tempero aqui, um tempero ali.

Finalmente, há outro aspeto dos livros que considero muito importante e que se esconde entre as linhas. Estamos a atravessar um período difícil em que as pessoas ignoram a dignidade das outras pessoas. Estes romances atingem-nos duramente com a ideia de que se não tivermos cuidado com o que dizemos, a possibilidade do impensável está lá. As palavras importam, as palavras geram atos destrutivos. É importante para nós compreender isto, e é uma mensagem muito clara destes romances. Portanto, se quiser ler um livro que entretém, mas também perturba, um livro que informa, mas também educa, são estes. Não são de leitura fácil, mas são importantes. Num mundo normal, estes dois romances seriam os mais famosos de José Rodrigues dos Santos”.